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‘Uma mulher fantástica’ arrepia a plateia na abertura do Cine Ceará

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Uma garçonete transexual que sonha em ser cantora lírica, mas tem a sua vida revirada do avesso após a morte do namorado 20 anos mais velho, abriu a 27ª edição do Cine Ceará. Uma mulher Fantástica, do diretor chileno Sebastián Lelio, já havia passado pelo Festival de Berlim, em fevereiro, onde levou o Prêmio Teddy e o Urso de Prata na categoria melhor roteiro, e agora foi muito bem recebido pelo público em sua estreia brasileira no Cineteatro São Luiz, em Fortaleza.

É um filme delicado e ao mesmo tempo sufocante. Seu epicentro não envolve a violência contra transgêneros de maneira geral, mas se limita ao microcosmo da vida particular da protagonista, Marina. Também por isso não poderia ser classificado como um drama transexual, pois transcende esta temática. “Não queríamos contar o drama de ser transgênero”, diz Maria Soledad, montadora do filme, no dia seguinte à sua estreia, em Fortaleza. “Queríamos contar a história de um ser humano. Por isso optamos por tirar Marina do universo da violência”.

As agressões sofridas por Marina limitam-se ao mundo privado da protagonista, que sofre ataques físicos e verbais da ex-mulher e do filho de Orlando, seu namorado que morreu subitamente. Após a morte, a família de Orlando pede de volta o carro e o apartamento para a garçonete, que não consegue ficar nem mesmo com a cachorra, Diabla, que era do casal. Ao longo da trama, a resiliência de Marina incomoda: suas reações ao massacre, principalmente psicológico ao qual é submetida, são quase nulas.

O filme, segundo conta Soledad, se adequou à intérprete, e não o contrário. A transexual Daniela Veiga, que faz o papel de Marina, não era atriz, mas é cantora lírica – as cenas dela cantando são, portanto, reais. Soledad acredita que o lançamento do longa no Chile trouxe à tona o debate sobre transgêneros em um país conservador, que engatinha agora rumo à aprovação da lei que permite o aborto em alguns casos. “[A exibição do longa] abriu uma porta muito importante e que estava fechada, que é a temática dos transgêneros”, diz Soledad. Ela explica que, após a estreia do filme, Daniela Vega virou modelo e apareceu na capa de duas revistas da direita chilena, algo impensável até pouco tempo atrás. Nesse sentido, o filme pode ser classificado como um fenômeno, já que suscitou o debate sobre a temática trans na conservadora sociedade pós-Pinochet. “Minha avó foi assistir ao filme e adorou”, diz, orgulhosa.

“Filme Flamboyant”

Soledad conta que o diretor Sebastián Lelio define seu mais novo longa como “um filme Flamboyant”.  “Passei um mês e meio até entender o que ele queria dizer com isso”, diz ela. “Penso que ele se refere às formas, cores, às luzes neons, algo entre o kitche e o universo transexual”, diz, tentando explicar as metáforas do diretor.

Lelio dirigiu o premiado Gloria (2013), sucesso de crítica e público. Quase 200.000 espectadores pagantes. Uma mulher fantástica teve, até o momento, 50.000 pagantes. Mas os produtores comemoram da mesma forma. Soledad diz que Daniela Veiga é forte candidata à indicação ao Oscar 2018.

E para quem sentiu falta de alguma menção à ditadura chilena, temática sempre muito presente principalmente na literatura daquele país, uma curiosidade: Orlando é cremado no mesmo crematório onde o ditador Augusto Pinochet fora cremado, em dezembro de 2006. “E o senhor que empurra o corpo de Orlando para o forno foi, na vida real, o mesmo que empurrou o de Pinochet”, assegura Soledad.

O Cine Ceará acontece em Fortaleza até o dia 11 de agosto.

EL PAÍS

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