Maíra Rodrigues da Silva tornou-se, em 2017, a 1ª mestre quilombola da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em entrevista à série Nossa Gente, que comemora os 40 anos da EPTV, afiliada da TV Globo, ela explicou como encontrou, no contato com a natureza, uma forma de resistir preservando a natureza com um tratamento natural para o solo e os mananciais do Vale do Ribeira.
Maíra Rodrigues da Silva é mestre em Geociências pela Unicamp — Foto: Reprodução/EPTV
A comunidade de Ivaporunduva fica na região do município de Eldorado (SP) e tem como uma das principais características o cultivo da banana orgânica para comercialização. Neste local, nasceu Maíra, em 1991. “Eu saí de Ivaporunduva aos 18 anos e fui estudar em Campinas”, contou.
“A gente para e pensa quanto legado a gente trouxe, principalmente em preservação. Penso o quanto nossos antepassados negros que vieram de África nos deixaram esse legado de resistir na natureza, resistir preservando”.
‘Nossa Gente’: 1ª quilombola mestre da Unicamp estudou remédio natural para tratar solo
Fitorremediação
Banana é cultivada para comercialização na comunidade do quilombo de Ivaporunduva — Foto: Reprodução/EPTV
Mestre pelo Instituto de Geociências da universidade pública campineira, Maíra detectou que o Rio Ribeira de Iguape, que banha a região, sofreu uma intervenção por conta da extração de ouro no século XX. “Existe uma preocupação do que a gente tem na água, se isso interfere ou não na produção que está à margem do rio”.
Com a fitorremediação (processo que usa plantas para purificar ambientes contaminados), a mestre descobriu que a Canavalia ensiformis, popularmente conhecida como feijão-de-porco, poderia auxiliar na redução da poluição às margens do rio.
“A água é fertilizante natural de todo esse leito. O método era tentar diminuir a poluição usando uma planta que a gente já tivesse aqui”, explicou.
Ivaporunduva
Ivaporunduva foi formada no século XVII como quilombo por escravos e descendentes que foram trazidos de Angola, Guiné e Moçambique para trabalhar no garimpo do ouro.
“Eles contavam que a mineração, que os negros traziam o minério lá do meio do mato até a beira do rio”, relatou Benedito Alves da Silva, líder comunitário de Ivaporunduva.
Ele contou que o quilombo nasceu quando a dona da fazenda que existia no local ficou doente e foi embora. Os escravos assumiram a propriedade. “Antes do quilombo não existia família. Nascia uma criança é era como nascer um bezerro no pasto, o ‘amo’ que era o dono”.
Povo de Ivaporunduva resiste em Eldorado, na região do Vale do Ribeira — Foto: Reprodução/EPTV
‘Povos da floresta’
A memória que Maíra traz, além de resistência, é também de conexão com a natureza. Toda a produção do local é orgânica, com uso da água do Ribeira, do próprio bagaço da banana e outros adubos orgânicos.
Segundo ela, o povo trazido da África deparou-se com um ecossistema semelhante ao que era visto em seu continente ancestral.
As tecnologias desenvolvidas pelos africanos, apontou Maíra, somadas aos conhecimentos sobre mineração, mostraram como este povo “deve ser pensado e reverberado em outros lugares, também na universidade”.
“Me tornei bióloga porque gosto da floresta, de estar aqui, e acredito que na pesquisa há necessidade de ter esses pensamentos também”.
“Nós já éramos povos da floresta, saímos de uma região tropical e viemos parar na Mata Atlântica, que é tropical. Somos povos que foram se adaptando, sabendo viver com a mata. Eu dou continuidade a este legado através da pesquisa”.
G1