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DIREITO, ÉTICA E SAÚDE MENTAL: O JANEIRO BRANCO – DR. RENATO EVANDO

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AUTOR: RENATO EVANDO MOREIRA FILHO
Médico e Advogado
Prof. Dr. de Medicina Legal,
Ética Médica e Direito Médico da UFC
CRM 6921-CE OAB-CE 22667
renatoevandom@secrel.com.br

O mês que descortina o ano foi
escolhido como propício no
destaque aos temas próprios da
Saúde Mental. De fato, o deitar
das raízes para os vindouros dozes meses
que se sucedem envolve o planejamento
e equilíbrio que deve nortear a mente,
a psique e toda a estrutura que requer
destacada atenção no equilíbrio da vida
humana, no bem fazer de suas atividades e
na oportuna execução de seus objetivos.
Concebida por um grupo de psicólogos
mineiros, em 2014, produziu-se uma
campanha que vem se difundindo, ano
a ano, em diversos Estados da federação
e no Distrito Federal, com consequente
publicações de portarias e mesmo leis
estaduais que estimulam a organização de
eventos relacionados.
Em face de tão relevante tema, faz-se
necessário conhecer as normativas que
visam a garantia de direitos dos assistidos
neste cenário e que norteiam a conduta
ética de médicos que atuam junto a este
destacado campo de interesse.
Considerando serem os Conselhos
de Medicina brasileiros os “órgãos
disciplinadores da classe médica”, conforme
disposto na lei federal 3.268/57, é de
extrema relevância conhecer a evolução
do entendimento que o sistema conselhal
tem a propósito da atividade psiquiátrica,
em suas variadas nuances. Sendo assim,
assume destaque a Resolução do Conselho
Federal de Medicina (CFM) nº 2.057/2013
que “consolida as diversas resoluções
da área da Psiquiatria e reitera os
princípios universais de proteção ao ser
humano, à defesa do ato médico privativo
de psiquiatras e aos critérios mínimos
de segurança para os estabelecimentos
hospitalares ou de assistência psiquiátrica
de quaisquer naturezas, definindo
também o modelo de anamnese e roteiro
pericial em psiquiatria”. Dispostos em 42
artigos, distinguimos alguns tópicos, inseridos
no citado diploma deontológico:
(1) Do Tratamento Psiquiátrico
• Nenhum tratamento será administrado
à pessoa com doença mental sem
consentimento esclarecido, salvo
quando as condições clínicas não
permitirem sua obtenção ou em
situações de emergência, caracterizadas
e justificadas em prontuário,
para evitar danos imediatos ou
iminentes ao paciente ou a terceiro.
Na impossibilidade de se obter o
consentimento esclarecido do paciente,
deve-se buscar o consentimento do
responsável legal.
Tal dispositivo orienta que o tratamento
não deve ser compulsório. Conforme o
princípio bioético da “Autonomia”, é vedado
se impor qualquer terapêutica. Tudo
deverá ser plenamente esclarecido e, se
o enfermo tiver condições psíquicas para
tal, deverá aquiescer. A exceção se dará na
impossibilidade de compreender a própria
situação de doença, podendo gerar riscos
26 Revista Digital Jornal do Médico®️, Ano III, Nº 21/2022 [Janeiro] Emergência e Saúde Mental
a si e a sociedade. Nesta circunstância,
o responsável legal (v.g. cônjuge, filhos)
deverá receber as orientações completas e
subscrever um termo circunstanciado.
• As modalidades de atenção psiquiátrica
extra-hospitalar devem ser prioritárias
e, na hipótese da necessidade de
internação, esta se dará pelo tempo
necessário à recuperação do paciente.
A percepção corrente é que devem
ser evitadas, tanto quanto possível, as
internações institucionais. A história é
prenhe de registros que tais regimes, em
regra, não alcançam o desejável. Melhor seria
buscar as adequações familiares-sociais, em
ambientes externos aos hospitais, a exemplo
do acompanhamento em unidades básicas
de saúde, em Centros de Atendimento
Psicossocial (CAPS) e, ainda que em hospitais,
na assistência diurna (“hospital-dia”).
• É admissível a contenção física de
paciente, à semelhança da contenção
efetuada em leitos de UTI, nos serviços
que prestem assistência psiquiátrica,
desde que prescrita por médico,
registrada em prontuário e quando for o
meio mais adequado para prevenir dano
imediato ou iminente ao próprio paciente
ou a terceiro. O representante legal ou a
família do paciente devem ser informados
de tal necessidade, tão logo possível.
Em quadros graves de comprometimento
mental, as contenções poderão ser medidas
necessárias, sempre de forma ponderada,
temporária e esclarecendo aos responsáveis
legais. Não raro, a conduta se impõe para
afastar danos corporais ao enfermo, a
equipe assistencial ou a terceiros.
(2) Algumas abordagens terapêuticas
especiais, em Psiquiatria
• Neuropsicocirurgia: diversos critérios
devem ser observados previamente a
sua execução. São exemplos: não deve
ser realizada em pacientes que estejam
involuntária ou compulsoriamente
internados em estabelecimento de
assistência psiquiátrica exceto mediante
prévia autorização judicial. Cabe à
Câmara Técnica de Psiquiatria elaborar
o parecer conclusivo que deverá ser
apreciado pelo plenário do Conselho
Regional de Medicina, para somente
então ser autorizado o procedimento.
A indicação de neuropsicocirurgia
deverá ser feita pelo médico assistente
e respaldada, por meio de laudo, por
um psiquiatra e um neurocirurgião
pertencentes a serviços diversos
daquele do médico prescritor.
• Eletroconvulsoterapia (ECT):
sempre realizada em ambiente
com infraestrutura adequada de
suporte à vida e a procedimentos
anestésicos e de recuperação. Trata-se
de um ato médico; sua indicação,
realização e acompanhamento são de
responsabilidade dos médicos que dela
participarem, com indicações precisas
e específicas, conforme a literatura
Revista Digital Jornal do Médico®️, Ano III, Nº 21/2022 [Janeiro] Emergência e Saúde Mental 27
médica. A avaliação do estado clínico
geral do paciente antes da ECT é
obrigatória, em especial as condições
cardiovasculares, respiratórias e
neurológicas e somente pode ser
realizada com anestesia.
• Estimulação Magnética Transcraniana
(EMT): reconhecida cientificamente
para pacientes com depressões,
alucinações auditivas e neuronavegação,
pode ser aplicada em consultórios,
ambulatórios e hospitais. Deve,
para tanto, obedecer ao disposto na
Resolução CFM nº 1.986/12.
Além das normas deontológicas, é oportuno
esmiuçar, em momento próprio, os ditames
jurídicos que incidem sobre o tema da saúde
mental. Estes, não são poucos a exemplo
do amparo legal aos autistas e a legislação
aplicável a Psiquiatria Forense, área de
atuação pericial, de destacada atenção e
necessário aprofundamento.
In fine e longe de esgotar o tema,
persistamos na tentativa de melhor
compreender e conduzir o binômio vidamente, chamando a lúmen o filósofo
dinamarquês Søren Kierkegaard: “a vida
não é um problema a ser resolvido, mas
uma realidade a ser experimentada”.

Fonte: 26 Revista Digital Jornal do Médico®️, Ano III, Nº 21/2022 [Janeiro] Emergência e Saúde Menta

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