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Com foco em criptografia, Facebook pode perder ainda mais o controle sobre os conteúdos da rede

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Por Altieres Rohr

Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, publicou nesta semana uma espécie de manifesto detalhando sua visão para um Facebook “mais focado em privacidade”. O texto é uma tentativa do fundador da rede social de retomar a confiança dos usuários – que ele próprio admite, na publicação, ter se deteriorado. Porém, a aposta em comunicações mais íntimas, privativas e protegidas por criptografia tem uma consequência: o Facebook terá cada vez menos controle sobre o que circula pelas suas redes.

Por mais vantagens que a criptografia e a privacidade possam trazer, as ideias de Zuckerberg tem potencial para permitir que o Facebook tire de si mesmo a responsabilidade por policiar conteúdo. Afinal, se o Facebook é incapaz de ver o que as pessoas estão publicando e compartilhando, o Facebook também é incapaz de fazer o policiamento.

Na prática, Zuckerberg não está propondo uma solução para os problemas que o Facebook enfrenta em relação à privacidade e à disseminação de conteúdo falso na rede. A visão dele se resume a aplicar o molde do WhatsApp ao Facebook e outros serviços que a empresa pode estar desenvolvendo. Isso nem está escondido: o WhatsApp é citado mais de uma vez como exemplo no texto.

Não se trata de criticar a criptografia. É uma questão de falta de correspondência entre o que Zuckerberg propõe e as crises que o Facebook vem enfrentando. A criptografia não é solução para a negligência da empresa no tratamento dos dados pessoais, nem para a circulação de boatos dentro da rede.

Mark Zuckerberg publicou texto com 'visão' para o futuro dos serviços do Facebook — Foto: ReproduçãoMark Zuckerberg publicou texto com 'visão' para o futuro dos serviços do Facebook — Foto: Reprodução

Mark Zuckerberg publicou texto com ‘visão’ para o futuro dos serviços do Facebook — Foto: Reprodução

É verdade que qualquer rede pode ser um veículo para notícias falsas, mas o que diferencia o WhatsApp é a escassez de ferramentas disponíveis para que esses abusos sejam coibidos. Logo, a discussão acerca do WhatsApp logo vai para um extremo: ou essa tecnologia não pode existir na escala em que existe, ou o WhatsApp (ou seja, o Facebook) não tem culpa dos abusos que lá ocorrem.

O motivo disso é a criptografia ponta a ponta disponível no WhatsApp. Embora seja um recurso muito interessante para certos tipos de comunicação, a criptografia, por impedir que o Facebook veja o conteúdo das mensagens trocadas, impede o bloqueio da circulação de links, sejam estes de fraudes ou notícias falsas. Em outras palavras, não há muito o que fazer.

Não é à toa que o WhatsApp se transformou em um canal popular para fraudes, inclusive algumas envolvendo serviços do próprio governo, como no caso do benefício do PIS e da CNH gratuita.

O comunicado de Zuckerberg reconhece essa dificuldade e afirma que a rede social pretende manter conversas com especialistas e com governos para descobrir o melhor meio de adotar a tecnologia, equilibrando os interesses de segurança pública e privacidade individual. Por mais sincera que essa declaração de Zuckerberg possa ser, ela não torna a posição de Zuckerberg mais confiável, especialmente diante da já demonstrada inabilidade do Facebook de coibir abusos no WhatsApp.

O anúncio de Zuckerberg ocorre na mesma semana em que o Facebook desmantelou uma rede de desinformação que focava em internautas da Inglaterra e da Romênia. Os operadores mantinham páginas com conteúdo supostamente de extrema direita e, ao mesmo também, também páginas contrárias a essa mesma posição política. Com mais opções de criptografia, o Facebook teria dificuldade em realizar esse tipo de ação.

‘Conteúdo temporário’

Zuckerberg também diz que pretende apostar em comunicação com prazo de validade – como já acontece nos status de WhatsApp ou nos stories do Instagram. Ele fala em ampliar a ideia para que mensagens particulares também sejam apagadas depois de algum tempo por padrão. Ou seja, quem quiser manter suas conversas por mais tempo precisaria optar por isso.

Aqui, ele também usa especificamente o nome do WhatsApp para dizer como os serviços devem ser. De fato, diferente do Messenger do Facebook, o WhatsApp não precisa guardar muitas informações sobre as mensagens ou sobre as pessoas. Os dados ficam no próprio telefone do usuário e na nuvem configurada para o backup.

Isso reduz os custos operacionais do serviço, já que precisa armazenar menos informações, mas também resulta em menos evidências de longo prazo para atividades ilícitas.

Porém, com a total falta de transparência na operação do WhatsApp e do conteúdo que circula na rede, talvez Zuckerberg tenha que buscar exemplos melhores para convencer as pessoas de que ele realmente crê que esse é um passo na direção certa e não apenas uma mudança para diminuir a responsabilidade que recai sobre ele.

G1

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