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Delações mostram em detalhes como a Odebrecht ‘comprou a República’

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Em mais de 300 gigabytes de arquivos em documentos e vídeos, o equivalente a 220 dias de áudio, ex-executivos da maior empreiteira do país, a Odebrecht, relatam detalhes sobre a forma como conseguiram comprar uma República. O esquema de corrupção e troca de favores entre empresários e políticos neste país é descrito desde o início da década de 1980 e atinge os principais atores dos três últimos governos, dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer. São envolvidas mais de 100 autoridades, de ao menos 15 partidos de diferentes linhas ideológicas. Delatores mostram que o esquema ia muito além do favorecimento da construtora em licitações. Ao longo dos anos, a Odebrecht foi beneficiária direta da edição de leis, decretos e ações de ministérios, por exemplo. Em troca, a empresa repassava milhares e milhões em valores não contabilizados para campanhas eleitorais, o chamado caixa dois, e em propinas.

 

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“Há 30 anos se faz isso”, sentenciou em delação premiada o patriarca da empreiteira, Emílio Odebrecht, sobre a forma como estava institucionalizada a troca de favores. O esquema que perdura por décadas atinge em cheio oito ministros e os principais líderes do governo no Congresso da atual gestão, além do relator da reforma previdenciária, Arthur Oliveira Maia (PPS-BA). “Não existe ninguém no Brasil eleito sem caixa dois”, afirmou o ex-presidente da empresa Marcelo Odebrecht à força-tarefa da Lava-Jato. O ex-presidente da construtora Benedicto Júnior, o BJ, deixou claro que o pagamento do caixa dois garantia “privilégios” à empreiteira.

O pagamento da propina era feito por meio do Setor de Operações Estruturadas da empresa, que controlava os repasses por meio de um sistema de informática chamado de Drousys, cujo servidor ficava na Suíça e depois na Suécia. De lá, foram controlados os pagamentos de cifras milionárias em troca da edição de medidas, relataram executivos da Odebrecht, que descortinaram os tentáculos da empreiteira no Congresso e na Esplanada.

Um dos inquéritos autoriza investigação contra os atuais presidentes do Senado e da Câmara, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) e deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), respectivamente; e os senadores Romero Jucá (PMDB-RR), Renan Calheiros (PMDB-AL) e o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA). De acordo com os donos do grupo, Emílio e Marcelo Odebrecht, e os ex-executivos Alexandrino de Salles Ramos de Alencar, Carlos José Fadigas de Souza e José de Carvalho Filho, o grupo de parlamentares recebeu recursos para elaboração, aprovação e promulgação das MPs 470, 472, posteriormente convertida na Lei 12.249/10, e 613, convertida na Lei nº 12.859/13 — todas beneficiaram diretamente a Braskem, sociedade empresária do ramo petroquímico do grupo Odebrecht.

Benefícios

A primeira delas instituiu um novo Refis, abrindo possibilidade de novos parcelamentos para empresas. A lei teria sido acertada com o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, e a contrapartida era o pagamento de R$ 50 milhões para campanha de Dilma em 2014. Posteriormente, o texto original da MP 472/09, que tratava de incentivo e benefícios fiscais para o Fundo da Marinha Mercante e definia regras para o Minha Casa Minha Vida, foi distorcido e reduziu áreas de proteção ambiental na Floresta Nacional do Bom Futuro (RO), no Parque Nacional Mapinguari e na Estação Ecológica de Cuniã.

Em 2013, a MP 613 foi transformada na Lei nº 12.859 e acabou com a isenção do PIS/Cofins sobre o etanol. O tema era de interesse direto da empreiteira. De acordo com Marcelo, em delação premiada, a MP 613 “tinha embasamento técnico, tinha legitimidade, mas é aquela história, também você tem vários projetos no Brasil que têm legitimidade e embasamento técnico, mas que, se você não tem acesso ao rei, você não consegue aprovar.” A delação do ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht Cláudio Melo Filho indica que, no caso da MP 613, o custo para a compra de parlamentares foi de cerca de R$ 7 milhões. Destes, R$ 4 milhões para Romero Jucá e Renan Calheiros; R$ 2 milhões para Eunício; R$ 1 milhão para Lúcio Vieira Lima e cerca de R$ 100 mil para Rodrigo Maia. Todos os citados negam irregularidades.

 

Agenda positiva

No mesmo dia da divulgação do conteúdo das delações premiadas de 77 executivos da Odebrecht, o presidente Michel Temer afirmou que o governo “não pode parar” e buscou encampar uma agenda positiva. O presidente sancionou leis relacionadas às mulheres, defendeu a reforma da Previdência e, já depois da divulgação dos depoimentos, comemorou a redução da taxa de juros por meio de pronunciamento do porta-voz da Presidência. Executivos da empreiteira relataram a participação de Temer em ao menos duas negociações de repasses para campanhas do PMDB.

Em uma, o ex-executivo Márcio Faria da Silva relatou ter sido convocado para uma reunião da “cúpula do PMDB”, em julho de 2010, no escritório político de Temer em São Paulo. O então vice-presidente teria se sentado à cabeceira da mesa, onde estavam o deputado Henrique Eduardo Alves e Eduardo Cunha. No local, foi acertado o pagamento de US$ 40 milhões para campanhas do partido com base em um contrato da empresa com a estatal. Em outra situação, foram negociados R$ 10 milhões com o atual ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. Temer teria participado do jantar e se ausentado do local no momento exato do acerto, mas o peemedebista “obviamente sabia” do que se tratava, disse Marcelo.

Temer, por sua vez, diz que se trata de uma “mentira” a acusação de Filho. “A conversa, rápida e superficial, não versou sobre valores ou contratos na Petrobras”. Além de Padilha, as delações atingem outros sete ministros do governo. Todos negam as acusações.

Correio Brasiliense

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