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Floresta tropical, savana e tundra sofrem com aumento de queimadas em 2019, mas fogo na Amazônia impacta mais o planeta

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O aumento nos focos de incêndio neste ano nos maiores biomas do mundo chamou a atenção da comunidade internacional. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), compilados com o auxílio de sistemas da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa), apontam que há três biomas que foram particularmente afetados pelas queimadas em agosto de 2019: a tundra, vegetação baixa que ocorre em diversas regiões da Rússia; a savana, que recobre boa parte da Angola, da República Democrática do Congo (RDC) e da Zâmbia; e a floresta amazônica, atingida pelos incêndios no Brasil e na Bolívia.

De acordo com especialistas ouvidos pelo G1, o impacto das queimadas provocadas pela ação humana na Amazônia é mais grave do que o registrado nas demais áreas por causa de, ao menos, quatro pontos principais: maior perda de biodiversidade, maior emissão de carbono, dificuldade na recuperação da flora e alteração no regime de chuvas no mundo.

Queimadas pelo mundo em agosto de 2019 — Foto: Juliane Souza/G1Queimadas pelo mundo em agosto de 2019 — Foto: Juliane Souza/G1

Queimadas pelo mundo em agosto de 2019 — Foto: Juliane Souza/G1

Os dados do Inpe/Nasa apontam que a alta das queimadas na Amazônia em agosto levou o Brasil a subir duas posições na lista de países com mais focos no planeta em relação ao mesmo mês de 2018. Quando comparada a série histórica para o mês de agosto, nos quatro anos anteriores o Brasil estava em terceiro na lista de países com mais focos. A última vez que o país apareceu em segundo lugar foi em 2014.

Nos últimos dez anos, o Brasil figurou em terceiro por seis vezes. O país ficou em primeiro na lista apenas duas vezes, em 2012 e em 2010, anos nos quais as queimadas no Brasil ficaram acima da média histórica para o mês.

Queimadas pelo mundo em agosto de 2018 e 2019 — Foto: Rodrigo Sanches/G1Queimadas pelo mundo em agosto de 2018 e 2019 — Foto: Rodrigo Sanches/G1

Queimadas pelo mundo em agosto de 2018 e 2019 — Foto: Rodrigo Sanches/G1

Evolução e área

Considerado o período de janeiro a agosto deste ano, o Brasil foi o terceiro país com mais focos de queimadas registrados, atrás da Angola e da República Democrática do Congo (RDC). Trata-se da mesma posição que o país mantinha em 2018, mas com número de focos 71% maior, contra um aumento de 17% em Angola e de 14% na RDC na mesma comparação.

Queimadas de janeiro a agosto pelo mundo   — Foto: Rodrigo Sanches/G1Queimadas de janeiro a agosto pelo mundo   — Foto: Rodrigo Sanches/G1

Queimadas de janeiro a agosto pelo mundo — Foto: Rodrigo Sanches/G1

Em relação à área, no entanto, os países africanos líderes têm índices de focos ativos por quilômetro quadrado superiores ao do Brasil. Enquanto Angola registrou 0,04 alertas/km² em agosto de 2019, o Brasil teve 0,0061 alertas/km² no mesmo mês.

Além dos países do centro-sul do continente africano, também houve grande quantidade de incêndios na Rússia e em países vizinhos ao Brasil, como Bolívia, Argentina e Paraguai.

Impacto ambiental

De acordo com especialistas ouvidos pelo G1, os incêndios na Amazônia causam prejuízos ambientais mais graves do que os verificados em países com outros biomas. Os principais motivos são:

  • Maior perda de biodiversidade: a floresta amazônica é o maior bioma do mundo e abriga a diversidade mais rica do planeta, segundo o ICMBio.
  • Maior perda de matéria vegetal: por ser mais densa, a floresta tropical perde mais biomassa na queima.
  • Maior emissão de carbono por hectare: por queimar mais biomassa, há maior emissão de gases que contribuem para o efeito estufa.
  • Maior dificuldade de recuperação da cobertura vegetal: o bioma amazônico é úmido e as espécies são pouco ou nada resistentes ao fogo.
  • Maior risco de afetar ciclos de chuva: a umidade produzida pela floresta produz chuvas no Brasil, Paraguai e Argentina.

Nasa: Amazônia x África

Apesar de serem mais numerosos, os focos de incêndio em Angola, país que em agosto teve o maior número de alertas, não são anormais para o período.

De acordo com a Nasa, os incêndios em Angola não estão fora do comum até o momento. Segundo a agência, savanas e pastos são queimados em agosto neste país africano e em países vizinhos por pequenos produtores rurais durante esta época do ano.

“Os baixos índices de radiação nos focos de Angola mostram que esses incêndios são, em sua maioria, pequenas queimadas agrícolas, e não grandes incêndios florestais”, disse à Nasa o cientista Charles Ichoku, que pesquisa clima e incêndios na Howard University (EUA).

Por outro lado, a Nasa alertou que os incêndios na Amazônia estão acima do normal. Em entrevista à TV Globo, o cientista Douglas Morton disse que “a concentração de queimadas no estado do Amazonas, por exemplo, é a maior do que vimos nos últimos anos.” Morton é chefe do Laboratório de Ciências Biosféricas da Nasa.

Este especialista – que estuda a Amazônia há quase 20 anos – sinalizou que o desmatamento voltou a patamares do início da década de 2000. Segundo o representante da Nasa, as imagens de satélite mostraram padrões muito semelhantes aos registrados entre 2001 e 2003.

“Temos grandes queimadas, queimadas com energia suficiente para gerar coluna de fumaça, que passa pelas distâncias como o estado do Acre e o sul do país”, apontou o norte-americano.

Fumaça de queimada avança sobre a Amazônia — Foto: Aqua/Nasa/ReproduçãoFumaça de queimada avança sobre a Amazônia — Foto: Aqua/Nasa/Reprodução

Fumaça de queimada avança sobre a Amazônia — Foto: Aqua/Nasa/Reprodução

Efeitos do fogo na África e na Amazônia

A pesquisadora Edenise Garcia, especialista em mudanças de uso e cobertura da terra na Amazônia e PhD em ciências biológicas, explica que as queimadas na Amazônia “têm implicações maiores” do que as que ocorrem no continente africano.

“A grande diferença do que está ocorrendo no Brasil em relação à África, é que lá, em geral, as queimadas ocorrem na savana ou em regiões de transição, de vegetação seca e predominantemente rasteira” – Edenise Garcia – gerente adjunta de ciências da The Nature Conservancy (TNC) Brasil

“O fogo está atingindo a savana e terrenos ‘esfolados’, por enquanto, apenas encostando nas bordas das florestas tropicais”, diz Lauren Williams, especialista do Global Forest Watch baseada em Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, em entrevista ao jornal NYTimes.

“É um bioma que está adaptado a esses incêndios. Faz parte da dinâmica desse território. Há inclusive espécies de árvores que são preparadas para incêndios anuais, elas possuem uma casca mais grossa e conseguem se recuperar muito mais rapidamente do que as espécies amazônicas atingidas pelo fogo, por exemplo. Elas vão queimar por fora, mas vão se recuperar depois”, acrescenta Garcia.

Queimadas na Amazônia - fogo consome vegetação perto de Porto Velho na tarde de 23 de agosto de 2019 — Foto: AP Foto / Victor R. CaivanoQueimadas na Amazônia - fogo consome vegetação perto de Porto Velho na tarde de 23 de agosto de 2019 — Foto: AP Foto / Victor R. Caivano

Queimadas na Amazônia – fogo consome vegetação perto de Porto Velho na tarde de 23 de agosto de 2019 — Foto: AP Foto / Victor R. Caivano

O climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da USP, destacou outras particularidades da floresta amazônica: a ausência de ventos e a umidade.

“Diferente do que ocorre em outras regiões do mundo, no bioma amazônico o vento não é um fator de propagação do fogo. Além disso, a floresta não perturbada só deixa chegar no solo cerca de 4% da radiação solar, então ela é sempre muito úmida, porque o sol não a seca”, explica Nobre.

Já a savana africana é muito seca nesta época do ano. “É um bioma que tem muita gramínea e tende a ser mais suscetível ao fogo na época de seca”, diz Garcia.

A umidade da floresta também faz com que suas espécies sejam menos resistentes ao fogo. Além disso, ela também contribui para que a Amazônia influencie no ciclo de chuvas de várias regiões da América do Sul.

Os chamados “rios voadores” da Amazônia, formados por massas de ar carregadas de vapor de água gerados pela evapotranspiração da vegetação, levam umidade da floresta para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil e também influenciam chuvas na Bolívia, no Paraguai, na Argentina, no Uruguai e até no extremo sul do Chile.

Biodiversidade

Em termos de biodiversidade, o fogo na Amazônia também é mais prejudicial do que o fogo nas savanas africanas.

Como a maior floresta tropical do mundo, a Amazônia é também o bioma mais biodiverso do planeta, abrigando uma em cada dez espécies conhecidas.

“A Amazônia é a região com maior biodiversidade, o maior número de espécies do planeta se encontra na Amazônia. Então, nós teríamos uma enorme perda de biodiversidade [com as queimadas]”, explica Carlos Nobre.

O geógrafo José Carlos Ugeda, professor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), avalia que as queimadas podem, a longo prazo, destruir a “vida” do solo amazônico.

“A queimada dá nutrientes para o solo, mas a parte biológica – que vai processar a matéria orgânica – vai ser prejudicada. Esta prática do fogo é escolhida por ser rápida, mas se é feita de maneira repetida, reduz significativamente a vida no solo”, diz Ugeda.

No bioma amazônico existem pelo menos 265 espécies ameaçadas de extinção. São 180 espécies de animais, das quais 124 ocorrem apenas neste bioma, e 85 espécies de flora. Somente nas dez unidades de conservação (UCs) com maior índice de desmatamento há 55 espécies ameaçadas, sendo que 24 são endêmicas do Brasil, segundo levantamento do WWF-Brasil. Para 5 dessas espécies, as queimadas aparecem como uma das principais ameaças de extinção.

Emissão de carbono

Outra diferença é em relação à perda de biomassa. Na Amazônia, além do céu fechado pela copa das arvores, há um sub-bosque e uma vegetação herbácea muito densa. “Você não anda facilmente pela floresta, que é muito mais densa do que a vegetação que ocorre nessa região da África onde há mais queimadas”, explica Garcia.

Sozinha, a Floresta Amazônica representa 10% de toda a biomassa do planeta. Por conta dessa densidade, há maior queima de biomassa nos incêndios que atingem a região. Além de haver maior perda de matéria orgânica, essas queimadas produzem mais gases do efeito estufa.

O Serviço de Monitorização da Atmosfera do Copernicus, ligado à Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês), revela que os incêndios na Amazônia liberaram 255 megatoneladas de dióxido de carbono na atmosfera entre 1 e 25 de agosto, e “quantidades abundantes de monóxido de carbono”.

Fogo no Ártico

A Rússia, em 10º lugar na lista de países que tiveram mais focos em agosto de 2019, foi outro país que, assim como o Brasil, teve aumento exponencial nos incêndios neste ano. Foram 8.554 focos no mês, contra 4.246 em agosto de 2018, um aumento de 100%.

Como no Brasil, moradores de algumas regiões da Rússia também respiraram a fumaça tóxica dos incêndios que queimaram e continuam queimando milhares de metros quadrados de florestas siberianas. Em geral, nessas regiões da Sibéria que são menos povoadas, a tundra é uma vegetação bem rasteira e relativamente pobre em biomassa.

“Nessas regiões da Sibéria, as queimadas são menos relacionadas às atividades humanas. A tundra é uma vegetação bem rasteira e pobre em biodiversidade. Ali, a perda da vegetação em si não é tão relevante, o que preocupa mais é perda do termofrost, aquela camada de solo que deveria ficar permanentemente congelada”, explica Edenise Garcia, da TNC Brasil.

Fumaça cobre a cidade de Chita, no leste da Rússia, nesta quinta-feira (1º). As autoridades russas declararam estado de emergência em pelo menos quatro regiões. — Foto: Associated PressFumaça cobre a cidade de Chita, no leste da Rússia, nesta quinta-feira (1º). As autoridades russas declararam estado de emergência em pelo menos quatro regiões. — Foto: Associated Press

Fumaça cobre a cidade de Chita, no leste da Rússia, nesta quinta-feira (1º). As autoridades russas declararam estado de emergência em pelo menos quatro regiões. — Foto: Associated Press

Preocupação mundial

O monitoramento do governo brasileiro para queimadas, feito pelo Inpe, utiliza o mesmo sistema usado pela Nasa. O coordenador do programa de queimadas no Inpe, Alberto Setzer, explica que o satélite de referência do Inpe, chamado Aqua, é da Nasa, assim como os satélites Terra e NPP, também usados no monitoramento.

“O algoritmo de identificação dos focos é o mesmo na Nasa ou no Inpe. Os nossos dados, no entanto, são um pouco menores, pois desconsideram áreas industriais, onde há incidência de calor permanente sem relação com queimadas.”

Neste mês, a Organização Meteorológica Mundial (OMM), vinculada à ONU, citou um relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas e Terra ressaltando que é importante assegurar a diminuição do desmatamento e assegurar a gestão sustentável da terra.

Para o diretor de Programas de Observação da Terra da ESA, à medida que se continua enfrentando a atual crise climática, “os satélites são essenciais para monitorar os incêndios em áreas remotas, especialmente para um componente chave do sistema da Terra, como a Amazônia”.

“Com base nos últimos dados disponíveis, a área queimada na Bacia Amazônica chegou em 2019 a mais de 11 milhões de hectares. Com um acréscimo de 3 milhões de hectares apenas nos últimos dez dias, o número fica acima da média histórica. A magnitude desses incêndios nos preocupa profundamente e os esforços para combatê-los precisam ser reforçados”, completou um porta-voz da União Europeia.

Queimadas na Amazônia em agosto foram as maiores para o mês em nove anos

Queimadas na Amazônia em agosto foram as maiores para o mês em nove anos

*Colaboraram Luísa Melo e Fabio Manzano, do G1

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