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Oscar Schmidt: ‘Ouro no Pan de 1987 mudou a seleção brasileira de basquete e também a americana’

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Ídolo relembra conquista histórica, que fará 35 anos, lista seus jogadores prediletos e diz que interrompeu quimioterapia contra um câncer no cérebro porque os exames mostram recuperação

RESUMINDO A NOTÍCIA

  • Oscar fez mais de 800 palestras ‘sobre carreira e características pessoais’
  • Para ele, Bird, Jordan, Magic Johnson, Bryant e LeBron James são os melhores da história
  • Com 49.737 pontos marcados, é, extraoficialmente, o maior cestinha da história mundial
  • Medalha de ouro em decisão contra os EUA, na casa deles, fará 35 anos em 23 de agosto


No próximo dia 23 de agosto, uma jornada heroica do esporte brasileiro completará 35 anos: a conquista da medalha de ouro pela seleção brasileira masculina de basquete, nos Jogos Pan-Americanos de Indianápolis, em 1987, com a vitória sobre os Estados Unidos, na casa dos americanos, por 120 a 115. Será o momento de render homenagens a Marcel, Pipoka, Guerrinha, Paulinho Villas-Boas e, sobretudo, ao maior jogador brasileiro desse esporte em todos os tempos: Oscar Daniel Bezerra Schmidt, o Oscar do Basquete.

Os números e estatísticas jogam ao lado desse ídolo de 2,05 metros de altura, hoje com 64 anos. Oscar é o maior cestinha mundial, com 49.737 pontos na carreira (a marca é extraoficial porque na fase não profissionalizada do basquete brasileiro alguns jogos não tiveram súmula). Mesmo sem ter conquistado o ouro em Olimpíadas, é o maior pontuador da história dos Jogos, com 1.093, e cestinha em três edições. No Pan de Indianápolis, fez 46 dos 120 pontos do Brasil na final contra os americanos e 249 nos sete jogos da competição. Por tudo isso e mais muita coisa, entrou para o Hall da Fama do Basquete da NBA, apadrinhado por Larry Bird.

Neste papo com o R7 ENTREVISTA, na casa do ídolo, com a medalha do Pan ao lado da reportagem, Oscar, entre um assunto e outro, dá detalhes sobre a conquista histórica de 1987 e analisa as chances de o basquete brasileiro se classificar para as Olimpíadas de Paris, em 2024. Revela quais são os melhores jogadores brasileiros e da NBA na sua opinião e explica por que interrompeu a quimioterapia para tratamento de um câncer no cérebro, diagnosticado em 2013. “Sinto-me bem, os exames mostram que não há mais nada, mas não sei se estou zerado”, diz, às gargalhadas, com o misto de coragem e bom humor típico dos fortes. Uma avalanche de cestas de três pontos. Acompanhe:

No seu site, o oscarschmidt14.com.br, está escrito que você é o maior palestrante do Brasil…
Oscar Schmidt — Ah, claro que sim. Com 2,05 metros de altura, não imagino que tenha outro maior (risos). É, claro, apenas uma brincadeira. De qualquer forma, fiz até agora mais de 800 palestras para cerca de 500 empresas e instituições. Com elas, ganhei cinco prêmios Top of Mind. Imagino que clientes e público estejam satisfeitos.

A medalha do Pan e a rede da cesta do jogo, que Oscar trouxe de lembrança

A medalha do Pan e a rede da cesta do jogo, que Oscar trouxe de lembrança

EDU GARCIA/R7 – 01.07.2022

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Quais são os temas das palestras?
Falo sobre minha carreira e características pessoais. Dedicação, treinamento, concentração em busca dos objetivos, superação, enfim, todas as características que são identificadas em mim como atleta, ser humano e cidadão.  

Do que você tem gostado na NBA, a liga americana de basquete?
Hoje, mais do que nunca, quem tem atleta que chuta bem de três pontos, como eu chutava, sai na frente — e quem não tem não será mais campeão. Gosto muito do ala-armador Klay Thompson, do Golden State Warriors. Dá aula de como arremessar. E, claro, do Stephen Curry.

Quais são os maiores jogadores de basquete de todos os tempos?
Tenho um top five: Michael Jordan, Magic Johnson, Kobe Bryant, LeBron James e Larry Bird, um branquelo que, para muitos, sequer sabia correr.

Stephen Curry não entra nesse time?
Ainda não, mas não deverá esperar muito porque tem batido na porta com muita insistência (risos).

Kobe Bryant disse que o tinha como um de seus ídolos. Não perdia oportunidade de elogiar seu jogo e vocês acabaram se tornando amigos. Deve ter sentido muito a morte dele…
Pois é… Foi no dia 26 de janeiro de 2020, em um acidente de helicóptero. Aos 41 anos… Um menino… Fiz um vídeo sobre ele logo após o acidente, a pedido, e quase não consegui acabar, tamanha a emoção. Comparo minha tristeza na morte dele à sentida na perda do meu pai, que era militar, professor de química e meu exemplo de vida. Quando meu pai morreu, fiquei tão desnorteado que cheguei a pensar, com alguma insistência, em largar o basquete.

Diante de uma das muitas gavetas de medalha. Ao fundo, a primeira cesta, dada pelo pai

Diante de uma das muitas gavetas de medalha. Ao fundo, a primeira cesta, dada pelo pai

EDU GARCIA/R7 – 01.07.2022

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Você se lembra de como soube da morte de Bryant?
Estava gravando um comercial. Tinha deixado celular de lado e tudo estava muito concentrado naquele trabalho. Meu filho, que estava no estúdio com minha mulher, chegou individualmente nas pessoas e disse: ‘Se alguém abrir a boca com meu pai sobre o Kobe antes de a gente acabar esse trabalho eu bato’. Todo mundo ali sabia, menos eu. Meu filho tinha noção do quanto aquilo me abalaria em meio à gravação. Só foi me contar quando saímos do estúdio. ‘Pai, tenho uma notícia ruim para te dar: o Kobe Bryant morreu’, ele disse. Foi uma choradeira geral — minha, dele e de quem estava ao lado.

Um tumor no seu cérebro foi diagnosticado em 2013. Você se tratou e, recentemente, disse ter interrompido a quimioterapia. Está zerado, novo de novo?
Interromper a quimioterapia eu interrompi, mas não sei se estou zerado (ele solta uma gargalhada). Há três anos ou um pouco mais, meu médico conversou comigo sobre a possibilidade de interromper o tratamento. Perguntei em tom de brincadeira: ‘você quer me matar, rapaz?’ Até que resolvi parar por conta própria, no começo de 2022. O médico conferiu as ressonâncias, achou tudo certo e não questionou a decisão.

Como era o tratamento?
Fazia em casa. Tomava quimioterapia em cinco comprimidos diários, de segunda a sexta. Só tinha uma folguinha aos finais de semana. Era pesado. Enjoava muito. Tinha que tomar remédio para enjoo. Não aconselho ninguém a vomitar por conta própria, mas um dia fiz isso porque não estava aguentando o enjoo provocado pelo tratamento. Coloquei tudo para fora. Só sobrou a língua (ele ri).

Com o amigo Bryant: 'morte dele doeu em mim como a perda do meu pai'

Com o amigo Bryant: ‘morte dele doeu em mim como a perda do meu pai’

EDU GARCIA/R7 –

Como você avalia as chances do basquete brasileiro nos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024?
O masculino tem chance de se classificar. Acredito nisso. Aí, nos Jogos, não dá para adiantar nada com precisão, porque normalmente é muito equilibrado. Depende dos desempenhos no início do torneio, no embalo. No caso do feminino, a classificação não é impossível, mas penso que será mais complicada e difícil tecnicamente. É preciso que os atletas das duas seleções entendam que pré-olímpico já é olimpíada. Não estou pedindo nada demais. Apenas a classificação. Depois tudo pode acontecer. A Confederação Brasileira de Basquete tem atualmente um presidente sério e competente, o Guy Peixoto Jr, que foi ótimo como jogador, e a vice é a Magic Paula. Então, ao menos no masculino, há motivos para termos esperança. Torneios olímpicos de basquete são competições muito duras. Só vão 12 seleções, tradicionalmente com muito equilíbrio.

Que atletas brasileiros de basquete te agradam atualmente?
Temos bons, principalmente no masculino. Marcelinho Huertas, para mim, é o principal deles. Atua no basquete profissional espanhol e sabe como se deve jogar. É atleta do Tenerife, da Espanha. Disputa a EuroLiga não porque pediu, mas sim pela vontade dos caras de contar com o seu talento. Atuando aqui no Brasil, gosto do ala-pivô Bruno Caboclo, atleta do São Paulo. Tem grande potencial.

Você reservou esta sala em que estamos, na sua casa, com cerca de 45 metros quadrados, apenas para abrigar símbolos de sua carreira. Uma infinidade de medalhas, fotos, camisas, troféus e outros objetos de recordação.
Verdade. Aqui tem as camisas de todos os clubes em que joguei, contratos, fotos com amigos… Tem até tênis usados em jogos importantes. Tem, por exemplo, o contrato para jogar no Flamengo, que foi assinado, como testemunhas, por Zico e Romário. Uma honra. E, claro, a medalha do Pan dos Estados Unidos em 1987. Agora, o objeto de maior valor afetivo é essa cestinha aqui (mostra o conjunto de madeira com uma cesta no canto esquerdo da sala, ao lado da porta).

Por que?
Eu, ainda menino, fiquei doente. Precisei ficar em casa por vários dias me recuperando. Meu pai, após conversas com o médico e outras pessoas, resolveu colocar esse conjunto em casa para eu me distrair. Foram minhas primeiras cestas. Dá para perceber, pelo tamanho acanhado do eixo, que foi coisa feita para moleque mesmo (risos).

Na grande sala dedicada aos objetos e símbolos de sua conquista

Na grande sala dedicada aos objetos e símbolos de sua conquista

EDU GARCIA/R7 – 01.07.2022

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Você teve convite para jogar na NBA, mas preferiu não ir. Como foi mesmo essa história?
Foi em 1984. Tinha 26 anos. Jogava no Caserta, da região italiana da Campania. Minha vida estava ótima na Itália. Ganhei até cidadania honorária da comuna de Caserta (ele se levanta, pega o diploma e mostra à reportagem).

Você não gostou muito de algumas circunstâncias que envolveram o convite da NBA, não é mesmo?
Isso. Draft é o evento anual em que os times da NBA recrutam novatos. No draft de que participei, fui o número 138, no sexto round. Escolheram 137 antes de mim. Fiquei incomodado. Disse para mim mesmo, a família e os amigos: ‘Tenho certeza de que jogo mais do que a maioria desses 137 caras. Vou lá provar para eles que sei jogar basquete’.

Em qual equipe?
Fiquei no New Jersey Nets, hoje baseado em Nova York com o nome de Brooklyn Nets, para uma semana de treino, com cinco jogos contra os rookies, os novatos, de outras cidades. Cheguei botando uma banca… você não faz ideia. Virei para o técnico e mandei: ‘Será um ponto por minuto na média. Se você me der 20 minutos, te darei 20 pontos. Se me der 60, serão 60 pontos’. O técnico ficou olhando para mim com cara de surpreso. E assim foi: nos 25 minutos que ele me deu nos cinco jogos, marquei 25 pontos.

E aí?
Ficaram malucos comigo. Me ofereceram contrato lá mesmo. Mas pensei e respondi: ‘Não, não vou deixar de jogar na minha seleção para jogar no seu time’. E depois, como disse, era feliz e muito bem tratado na Itália.

Como eles reagiram à negativa?
O técnico e o pessoal da equipe ficaram loucos. ‘Não faça isso, a gente não tinha noção do nível do seu basquete.’ Mas tinha decidido. Disse para eles: ‘Agora vocês sabem que existe gente jogando basquete com qualidade fora dos Estados Unidos’. Até hoje ninguém conseguiu me explicar de forma satisfatória, convincente, por que se podia jogar profissionalmente na Europa e também na seleção e isso não era possível no caso da NBA. Tanto que isso caiu. Mas eram as regras da Federação Internacional de Basquete, a Fiba. Depois que ganhamos dos americanos no Pan de 1987, eles bateram na porta da Fiba e disseram: ‘Deixe a gente convocar nossos grandões da NBA para disputar medalhas porque senão não vamos ganhar mais ouro’.

Com uma réplica do troféu do Mundial de Basquete, conquistado no Sírio

Com uma réplica do troféu do Mundial de Basquete, conquistado no Sírio

EDU GARCIA/R7 – 01.07.2022

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Por falar no Pan de Indianápolis, no próximo dia 23 de agosto a conquista histórica e heroica da medalha de ouro fará 35 anos. Está preparado para as homenagens?
Claro que sim — e espero que sejam muitas. Eu, Marcel, André, Gerson, Israel, Pipoka, Guerrinha, Silvio, Maury, Paulinho Villas-Boas, Cadum e Rolando. Esse era o grupo. Éramos muito unidos. Ficamos atrás nos primeiros dois quartos, mas ganhamos os dois seguintes e, no final, vencemos por 120 a 115. Fiz 46 pontos nessa final e 249 nos sete jogos do Pan. Marcel fez 187 em toda a competição. Israel, 78. A linha de três pontos ainda tinha um pouco de novidade. Ao contrário do que alguns dizem, a equipe americana do Pan de 1987 era realmente boa. A dureza do jogo mostrou isso. Eram jogadores universitários, mas logo depois muitos deles tiveram passagens importantes pela NBA.

Como é mesmo a história da brincadeira de arremessos seguidos de três pontos que costumavam fazer em sua passagem pelo Flamengo?
Nos treinos, eu brincava com os colegas que acertaria 25 chutes seguidos de três. Acertei por várias vezes até que a brincadeira passou a ser não parar de arremessar até o primeiro erro. A coisa foi crescendo até que, um dia, acertei 90 arremessos seguidos.

Verdade?
Absoluta. Os companheiros daquele time estão aí para testemunhar. Durante toda a carreira, treinei pontaria com centena de arremessos após cada treino coletivo. É por isso que digo: Não é Mão Santa, é Mão Treinada.

R7

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