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Professores da Universidade Estadual do Ceará são intimados pela Polícia Federal para esclarecerem sobre supostas ‘práticas antifascistas’

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Alunos de grupo cristão da Uece alegam uso ‘de violência ou grave ameaça para coagi-los’ a votar em candidato do PT nas eleições de 2018. Defesa dos professores ouvida pelo G1 nega a acusação.

Alunos denunciam professores e estudantes da UECE por suposta ameaça e a coação votar, ou não votar, em determinado candidato — Foto: Reprodução

Alunos denunciam professores e estudantes da UECE por suposta ameaça e a coação votar, ou não votar, em determinado candidato — Foto: Reprodução

Professores e estudantes da Universidade Estadual do Ceará (Uece) foram denunciados e intimados, nesta quinta-feira (10), a depor em um processo que apura suposto uso de violência para coagir o voto de um grupo de alunos. Segundo os denunciantes, os professores intimados seriam membros de um grupo intitulado “Ação Antifascista-Uece-CH-Fortaleza”, que estuda e condena a implementação de políticas fascistas.

Segundo os professores chamados para depor, os documentos entregues pela Polícia Federal não traziam o motivo para a intimação, o que foi informado a eles verbalmente pelos agentes. Os detalhes sobre o caso só foram repassados após acesso dos próprios professores e da defesa aos autos, na tarde desta quinta-feira (10). O G1 entrou em contato com a Polícia Federal, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.

Os denunciantes são três estudantes membros de grupos de estudos cristãos da Uece. Conforme os estudantes, eles recebiam ameaças por não apoiarem, em 2018, o então candidato do PT à presidência, Fernando Haddad.

A advogada Daniella Alencar, que assessora juridicamente os denunciados, explica a acusação. “O suposto crime seria uma perseguição a pessoas que teriam identidade com o movimento bolsonarista. Porque, na verdade, os professores não tinham nenhuma preferência politico-partidária no que diz respeito às eleições, mas alguns deles deram aulas e palestras tratando de democracia, antifascismo e das questões legais e históricas que envolveram o período do fascismo e nazismo”, comenta a advogada. Segundo ela, os professores nem mesmo faziam parte de um grupo organizado específico a respeito do tema.

“Por conta disto, esses alunos [denunciantes]se dizem perseguidos por essas aulas e palestras que os professores estavam proferindo naquele momento de eleição”, complementa Daniella. Ela explica também que os denunciados são acusados com base no artigo 301 do Código Eleitoral: “usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos”.

O processo foi iniciado em 2018, ano quando ocorreram as eleições presidenciais com Jair Bolsonaro como candidato. “De início, esse processo foi para o Ministério Público Federal (MPF), que declinou da competência por achar que o assunto não é da competência deles; e mandou remeter ao Ministério Público Estadual (MPCE), que, por sua vez, opinou do processo ser remetido à Justiça Eleitoral, tendo em vista que tinha a ver com as eleições”, complementa Daniella.

A advogada revelou também que durante todo o processo, houve suspensões várias vezes porque não foram ouvidas nenhuma das partes. “Até que no fim do ano passado, foram ouvidas as partes denunciantes; e agora, nesse momento, são ouvidos os denunciados”, explica a jurista.

“A única coisa que consta é que os professores declararam o que eles realmente são: antifascistas. E estavam falando, naquele momento, para os acadêmicos do curso de filosofia contra o fascismo”, aponta Daniella.

Universidade Estadual do Ceará — Foto: José Leomar/SVM

Universidade Estadual do Ceará — Foto: José Leomar/SVM

Um dos denunciados é o professor Luciano Teixeira Filho, ouvido pelo G1, que negou qualquer acusação. Conforme Luciano, em uma aula do grupo denominado anti-fascista, houve críticas ao então candidato à presidência Jair Bolsonaro. Conforme os professores, Bolsonaro manifestava ideias de cunho fascista.

“Foi uma aula pública, e cada professor abordou o assunto de uma forma diferente. Nos baseamos na literatura para afirmar o seguinte: nós temos muito claramente o que os autores e a literatura especializada em sua época mostrou ser a característica originária do fascismo. Nós acreditávamos, e parece que não fomos frustrados, que o então candidato à presidência da República trazia um discurso extremamente aproximado ao fascismo. E nós denunciávamos isso”, explicou o professor.

Segundo o historiador e cientista político Boris Fausto, o fascismo é um modelo de política autoritária que surgiu na Europa nos anos 1920. “O fascismo apareceu para impor a ordem, supostamente para recuperar valores tradicionais, mas ele criou milícia, agrediu adversários e glorifica uma pessoa, o comandante”, define.

O que diz a universidade

Por nota, a Uece informou que a ação acontece desde o referido ano [2018]. A instituição diz ainda que o Ministério Público Federal já afirmou não existir viabilidade na acusação. No entanto, o inquérito ainda não foi arquivado.

“Nesse contexto, a UECE manifesta incondicional apoio institucional aos professores e aos estudantes que estão sendo alvo dessa intimação que fere a liberdade de expressão e de ‘aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber’ (Constituição Federal, Art. 206)”, complementa a nota da instituição.

Para a Uece, os professores intimados, em momento algum, perseguiram alunos por terem posicionamentos divergentes, pois é exatamente em virtude dessas diferenças e do livre debate de ideias que a ciência se constrói. Na verdade, discussões e posicionamentos diversos são os pilares da academia.

“Em tempos de obscurantismo e de retrocessos, comprometemo-nos, obviamente, com a verdade dos fatos e reiteramos nosso compromisso com a democracia, com a autonomia universitária – a nós garantida pela Constituição Federal – e com o Estado Democrático de Direito, além de apoiarmos incondicionalmente os membros de nossa comunidade acadêmica nessa luta. Iluminando caminhos, seguimos firmes em defesa da democracia”, finaliza a universidade.

G1 CE

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