AUTOR: DR. RENATO EVANDO MOREIRA FILHO
Médico e Advogado, Especialista em Direito Médico
e Professor Doutor da Universidade Federal do Ceará
CREMEC 6921 OAB-CE 22667
renatoevandom@secrel.com.br
CÂNCER
ABORDAGENS
ÉTICAS E
JURÍDICAS
RD Jornal do Médico, Ano II, Nº 10/2021 [Fevereiro] Câncer 13
Como se sabe,
a divisão
desordenada
de células
costuma gerar
uma neoplasia – benigna ou
maligna (câncer). Nesta última
forma, poderá invadir tecidos,
além de espraiar-se pelo corpo
(metástases). Em que pese
ser possível falar-se em cura; o
simbolismo do caranguejo (do
grego, karkinos) associando-o
a doença – que se espalha e se
fixa, a semelhança das patas e
pinças do crustáceo – ainda gera
temor.
Trata-se de enfermidade
milenar. Trinta séculos antes
de Cristo; egípcios, persas
e indianos já se referiam a
tumores malignos, mas foi
na escola hipocrática grega
(cerca de 500 a. C.), que o
câncer foi compreendido como
um desequilíbrio de fluidos,
dissociando-o da mitologia.
Somente na Idade Moderna, o
anatomista italiano Giovanni
Morgagni e o médico francês
François Bichat publicam
tratados apontando serem os
órgãos formados por diferentes
tecidos, cujas lesões indicavam
doenças. A partir dos trabalhos
do médico e político polonês
Rudolf Virchow, no século XIX,
foi possível correlacioná-lo a
divisão celular. Os precursores
sucessos na remoção cirúrgica
de um câncer transcorrem nesta
mesma centúria. Em 1902,
nascem os pioneiros trabalhos
americanos sobre utilização
da radioterapia. Em meados
do século XX, a quimioterapia
é adicionada ao arcabouço
terapêutico.
Considerando o impacto
individual e social que emerge
da doença, destacamos
algumas situações de natureza
Ética:
I) Diagnóstico e Informação
Todo paciente deve obter
informações sobre sua
enfermidade. Não obstante,
é preciso especial zelo no
Sigilo que rege a relação
médico-paciente e a adequada
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forma de divulgação para
terceiros, considerando
os estigmas que ainda a
permeiam. Alguns grupos
são de singular interesse:
crianças, adolescentes, idosos,
doentes mentais – em face da
compreensão que possam
dispor sobre a moléstia.
II) Terapias Experimentais
Considerando seu amplo
espectro histológico; busca-se
expandir o arsenal terapêutico
e diagnóstico precoce. Devese observar que abordagens,
ainda não reconhecidas pela
comunidade científica, são
denominadas “experimentais”.
Estas, são disciplinadas pela
Resolução do Conselho Federal
de Medicina (CFM) 1982/12,
que dispõe sobre os critérios
para o reconhecimento de
novos procedimentos e terapias
médicas.
III) Diretivas Antecipadas de
Vontade (DAV) – Resolução
CFM 1995/12
Considerando o potencial
risco que o câncer pode oferecer
ao enfermo; as DAV devem
ecoar, nos termos do CFM,
como o conjunto de desejos,
prévia e expressamente
manifestados pelo paciente,
sobre cuidados e tratamentos
que deseja receber, ou não,
se estiver incapacitado de
expressar sua vontade.
Assim, verifica-se, no casoconcreto, se tal manifestação
foi anunciada pelo assistido,
devendo ser registrada em
seu prontuário. As DAV
prevalecerão sobre qualquer
outro parecer não médico,
inclusive sobre os desejos dos
familiares. Este cenário guarda
especial relevância ao se
considerar as internações em
Unidades de Terapia Intensiva
e a assistência por equipe de
Cuidados Paliativos.
No que concerne ao
Biodireito; há ampla legislação
amparando o paciente com
câncer. Entre as normas
aplicáveis, distinguimos:
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- Decreto-lei 1.044/1969:
dispõe sobre tratamento
excepcional para alunos, cuja
doença possa impossibilitar
a frequência regular a escola.
Nesta situação, será ofertada
condição especial – a exemplo
de exercícios domiciliares
sob orientação – sempre que
compatíveis com seu estado de
saúde. - Legislação Trabalhista:
saque antecipado do Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS), pelo trabalhador com
câncer ou pelo responsável
por dependente portador da
enfermidade. Não é necessário
estar com a Carteira de
Trabalho e Previdência Social
(CTPS) registrada. Uma vez
diagnosticada a doença, basta
haver saldo na conta vinculada
do obreiro; - Lei 8.112/1990: dispõe sobre
o regime jurídico dos servidores
públicos federais, civis. O
servidor será aposentado,
por invalidez permanente
e com proventos integrais,
quando portador de neoplasia
maligna. Junta médica oficial
atestará a incapacidade para o
desempenho das atribuições do
cargo ou a impossibilidade de
ser realizada readaptação; - Lei 6.880/1980: dispõe sobre
o Estatuto dos Militares e prevê
a neoplasia maligna como uma
das causas de reforma; - Lei 12.732/12 (“Lei dos
60 dias”): direito a iniciar o
tratamento, no Sistema Único
de Saúde (SUS), no prazo de
até sessenta dias contados a
partir do diagnóstico em laudo
histopatológico ou mesmo
em tempo menor, conforme a
necessidade; - Legislação Tributária:
Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) – são
isentos os portadores de
neoplasia maligna, que
apresentarem deficiência
física nos membros superiores
ou inferiores que o impeça de
dirigir veículos. ICMS – a regra
é a mesma do IPI, na aquisição
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do veículo adaptado. O mesmo
se aplica a mulheres que
tiveram câncer de mama, com
remoção de gânglios linfáticos
axilares. Nos mesmos moldes,
o IPVA – com isenção requerida
junto a Secretaria da Fazenda
Estadual. A depender da
legislação municipal, também
poderá haver isenção do IPTU. - Legislação Previdenciária:
não se aplica o “tempo de
carência” para usufruto de
benefícios, a exemplo do
auxílio-doença e aposentadoria
por invalidez, aos previamente
segurados da Previdência
Social. Os aposentados e
pensionistas ficam isentos de
contribuir com o Imposto de
Renda sobre tais proventos; - Outros destaques
normativos: Cirurgia de
Reconstituição Mamária – Lei
9.797/1999 (obrigatoriedade
da cirurgia plástica reparadora
da mama pelo SUS, nos casos
de mutilação decorrentes
de tratamento de câncer.
Se for assistida por meio de
Considerando o potencial
risco que o câncer pode
oferecer ao enfermo; as
DAV devem ecoar, nos
termos do CFM, como
o conjunto de desejos,
prévia e expressamente
manifestados pelo
paciente, sobre cuidados
e tratamentos que
deseja receber, ou não,
se estiver incapacitado
de expressar sua
vontade. Assim, verificase, no caso-concreto,
se tal manifestação foi
anunciada pelo assistido,
devendo ser registrada
em seu prontuário. As
DAV prevalecerão sobre
qualquer outro parecer
não médico, inclusive
sobre os desejos dos
familiares. Este cenário
guarda especial relevância
ao se considerar as
internações em Unidades
de Terapia Intensiva e a
assistência por equipe de
Cuidados Paliativos.
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plano ou seguro privado de
saúde; a mesma intervenção
é assegurada por meio da lei
10.223/2001); Benefício de
Prestação Continuada da Lei
Orgânica da Assistência Social
(LOAS) – garante um saláriomínimo mensal ao portador
de câncer com deficiência
física, incapacitado para o
trabalho; Tramitação prioritária
em processos judiciais;
Possibilidade de quitação
do financiamento de imóvel
pelo Sistema Financeiro de
Habitação, dentre outros.
Oportuno destacar, além das
campanhas “fevereiro laranja”
(contra a leucemia) e “fevereiro
verde” (em desfavor do câncer
de vesícula biliar), algumas
efemérides que nos recordam
a ininterrupta batalha: Dia
Nacional de Combate ao Câncer
Infantil (23 de novembro) e Dia
Mundial de Combate ao Câncer
(04 de fevereiro).
Assim, em auxílio a melhor
condução da vida desses
pacientes; também cabe, a
legislação e autoridades (que
executam normas e princípios
da Bioética e do Direito Médico),
tornarem mais efetivo e ameno o
trilhar – durante e após o câncer.