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Ceará registra maior número de conflitos por água dos últimos nove anos

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O Ceará registrou, no último ano, oito conflitos por água em seu território, segundo o Caderno de Conflitos no Campo, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgado em abril. O número é o maior dos últimos nove anos.

Um dos agravantes que contribuiu com o avanço dos registros foi o desastre ocasionado pelas manchas de óleo no litoral cearense. Após quase nove meses do surgimento do óleo, o Governo Federal ainda não emitiu parecer conclusivo sobre os responsáveis.

Maria Eliene Pereira do Vale, 50, a Maninha, marisqueira da comunidade de Jardim, a 6 km de Fortim, ainda vivencia as consequências do derramamento. “Sou pescadora e presidente da Associação dos Moradores e moro próximo ao rio Jaguaribe”, conta. “Continuamos em uma situação difícil. Ainda hoje tem rejeição na venda dos pescados”.

Pandemia

Os pescadores artesanais são dos 17 municípios atingidos pela mancha de óleo no Ceará — Foto: Helene Santos/SVMOs pescadores artesanais são dos 17 municípios atingidos pela mancha de óleo no Ceará — Foto: Helene Santos/SVM

Os pescadores artesanais são dos 17 municípios atingidos pela mancha de óleo no Ceará — Foto: Helene Santos/SVM

Além dos prejuízos ainda vivenciados pelo desastre socioambiental, a família tem o problema agravado pela pandemia de Covid-19: “Mais uma vez, são as ONGs que têm nos ajudado com doações”.

Segundo a filha, a também marisqueira Elenilda Pereira de Freitas, 32, a situação se complicou e agora a família está sem renda certa. “Era mais de um salário (mínimo) por mês trabalhando cinco dias por semana. Hoje, estamos sem renda. Quem está socorrendo é algum aposentado que tem em casa. Mas as famílias são de umas oito pessoas. Um salário dá pra quê?”.

Na visão de mãe e filha marisqueiras, o prejuízo financeiro e social que perdura tem impacto mais acentuado na vida das mulheres, o que as deixa mais suscetíveis à violência. “As marisqueiras sustentam suas famílias e, agora, têm uma grande chance de perder a autonomia financeira e voltar a depender dos seus companheiros. Estas nem sempre são relações saudáveis”, conta Maria Eliene.

O G1 questionou o Ministério do Meio Ambiente (MAM). Este, por sua vez, sugeriu encaminhar a demanda ao Ministério do Desenvolvimento Regional, que sugeriu questionar o Ministério da Cidadania.

Em janeiro deste ano, a Pasta havia informado ao G1 que 8.371 pescadores profissionais artesanais estavam aptos a receber um auxílio emergencial de R$ 1.996, pago em duas parcelas de R$ 998 a profissionais atingidos pelas manchas de óleo. Questionado sobre se há previsão de mais alguma retorno às famílias impactadas pelo desastre, a Pasta sugeriu entrar em contato com o MAM, que não retornou ao G1 até o fechamento.

Conflito

O conflito decorre da falta de acesso à água potável ou do recurso para produção agrícola ou pesca. Em 2019, as ocorrências foram o impedimento de exercício profissional de pescadores dos municípios de Parambu e Arneiroz; destruição e poluição, em Quiterianópolis, atingindo ribeirinhos; destruição ou poluição, em Tamboril; diminuição de acesso à água para trabalhadores rurais, em Quixadá; ameaça ou expropriação de território ribeirinho, em Ubajara; e danos causados pelas manchas de óleo, em Fortim e Aracati.

“O que vai diferenciar o conflito por terra de um conflito por água é o fato. O que for mais preponderante na reivindicação das comunidades é que vai dizer sua natureza. Muitos estão relacionados a questão da terra, da água, do trabalho… são múltiplos. Se descobre isso ou pela fonte primária, consultando as pessoas envolvidas, ou através de documentos, cartas, notas que evidenciem que aquele conflito exigia terra ou água”, explica Tiago Valentim, coordenador regional da CPT Ceará.

As informações primárias são coletadas diretamente com os envolvidos e enviadas ao Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno, em Goiânia, que busca outras fontes, como matérias de jornal, boletins de ocorrência ou relatórios.

“Existe o outro trabalho que é feito através de Movimentos Sociais, que acompanham muitas outras comunidades, que se responsabilizam de enviar informações ao Centro de Documentação. O próprio Centro tem uma equipe que faz o processo de busca online, coletando informações”, explica Valentim.

Um conflito só é registrado no Caderno de Conflitos com sua confirmação. “O banco de dados é bem maior do que o Caderno. Temos outras informações que não podem ir por questão de segurança ou sigilo do processo”.

Além disso, a CPT Nacional realiza o acompanhamento de conflitos judiciais que envolvem mandantes e executores de assassinatos. “A maioria está na impunidade. Vários ameaçados em determinado ano aparecem como assassinados depois. Muitos conflitos são recorrentes, o que nos mostra que há uma baixa resolução deles”, finaliza Valentim.

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