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Cientistas aceleram crescimento de mudas para salvar espécies em Brumadinho

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Mudas de espécies em extinção em Brumadinho
Pesquisador da UFV colhe DNA de espécies em extinção em Brumadinho

Principal data da Organização das Nações Unidas (ONU) para chamar a atenção para questões ambientais, o Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado todo 5 de junho, traz neste ano uma convocação. Neste sábado, é  lançada também a Década da Restauração de Ecossistemas 2021-2030. E a ONU “faz um chamado para reavivar nossos ecosistemas danificados”, acrescentando que “os seres humanos estão perdendo e destruindo as bases de sua sobrevivência em um ritmo alarmante”.

No Brasil, a situação é dramática, com números sobre desmatamento batendo recordes consecutivos. Em maio, a área sob alerta para desmatamento na Amazônia Legal bateu a marca mensal na série histórica mantida pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) desde agosto de 2015, com 1.180 quilômetros quadrados devastados até o dia 28.

Por isso, todas as iniciativas que busquem ajudar a natureza a recuperar estragos causados pela ação humana e preservar o que ainda não foi devastado são mais que necessárias. E uma nova tecnologia nesse sentido foi criada nos laboratórios da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais. 

Algumas plantas em risco de extinção após o rompimento da barragem de Brumadinho, que aconteceu em janeiro de 2019, ganharam uma força de cientistas brasileiros para que possam se reproduzir e voltar a ocupar a região. Um grupo de pesquisadores da UFV desenvolveu uma tecnologia capaz de recuperar o DNA de plantas e acelerar em até 20 vezes o tempo de crescimento de suas mudas.

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 Espécies como jacarandá caviúna, ipê amarelo, braúna e jequitibá, cujas mudas poderiam levar mais de uma década para florescer, podem ter seu tempo de maturação acelerado por meio do recolhimento e da multiplicação do seu DNA e outras técnicas. O código genético das árvores, que já são adultas, é reproduzido em laboratório e as mudas criadas a partir daí recebem hormônios para acelerar ainda mais o crescimento. 

O professor do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa, Gleison dos Santos, que faz parte do grupo que desenvolveu a solução, aponta que a proposta principal não é só acelerar o processo de recuperação da área devastada, mas evitar que o DNA de árvores que estão prestes a morrer seja perdido. “Resgatamos o DNA, copiamos várias vezes e voltamos com essa árvore para o campo, já florescendo”, explica. “Normalmente, essas espécies demoram de 10 a 12 anos para fazer sua máxima função. Com essa tecnologia, isso acontece de 6 a 12 meses”, explica. 

Aplicação prática

A Universidade Federal de Viçosa detém a patente de reprodução do DNA de espécies nativas e do processo de aceleração do crescimento dessas plantas. A instituição financiou toda a parte de desenvolvimento em laboratório da nova tecnologia e a Vale, responsável pela barragem que se rompeu, atua para que a tecnologia seja usada em escala na área atingida.

As espécies clonadas são apenas uma parte do projeto de reflorestamento de 296 hectares destruídos pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão, região que deve receber cerca de 70 mil mudas comuns até o final de 2021. As versões especiais somam 5 mil mudas e serão distribuídas ao longo dos próximos 3 anos com a finalidade principal de atrair a fauna de volta para a polinização e dispersão das sementes.

Abelhas jataí
Recuperação da área devastada de Brumadinho pode atrair abelhas que ajudem na polinização e dispersão de sementes da região

 A universidade está prestes a fechar um novo contrato com a Vale para expandir o projeto para outras áreas afetadas pelo rompimento e que deverá incluir a clonagem de 30 espécies.  A mineradora Anglo American, que tem barragens em Concessão do Mato Dentro, na região da Serra do Espinhaço, pode ser a próxima empresa a utilizar a tecnologia, afirma o cientista.

Segundo os estudos da UFV, a descoberta pode ser utilizada em outros biomas para além da mata atlântica, onde está sendo experimentada. Porém, Raul Firmino, engenheiro florestal da Vale e responsável pelo plantio de mudas em Brumadinho, destaca que há uma limitação dessa solução porque os clones não podem ocupar toda uma área, sob risco de prejudicar a biodiversidade. Segundo ele, “para trazer diversidade, é preciso ter também a produção tradicional”, alerta.

Essa dificuldade de reflorestar com diversidade, além do alto custo das mudas, seis vezes mais caras que as normais, são entraves para eventuais tentativas de levar essa solução para regiões onde o desmatamento é frequente e alarmante, como a Amazônia.

No Acordo de Paris, assinado em 2015, o Brasil assumiu o compromisso de reflorestar 120 km² de área verde até 2030. Segundo o Observatório da Restauração e Reflorestamento, o Brasil recuperou apenas 0,65% do prometido até agora.

O que se vê, porém, é o país seguindo o caminho contrário. Segundo dados da Fundação SOS Mata Atlântica e do Inpe (Instituto Nacional de Políticas Espaciais). O desmatamento dos biomas da Amazônia Legal entre janeiro e maio deste ano foi dez vezes maior que a soma das tragédias ambientais da Vale em Mariana e Brumadinho, que varreram juntas 1.265 hectares de Mata Atlântica.

Sem solução para a lama

Raul Firmino, da Vale, diz que a perspectiva é que os quase 300 hectares devastados em Brumadinho sejam recuperados em um período de 5 a 10 anos. Ele afirma que a velocidade da retirada dos rejeitos depende da liberação das áreas que ainda estão passando por um trabalho do corpo de bombeiros para localizar o corpo de dez vítimas. “O objetivo é transformar a área hoje desmatada em um parque e recuperar espécies ameaçadas de extinção ou protegidas por lei, como o Ipê e o Jacarandá.”

Porém, o professor do departamento de Geologia e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Klemens Laschefski, membro do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais, alerta que a retirada dos rejeitos minerais do solo não é suficiente para acabar com a contaminação da área. “Não é rejeito que tem trazido a contaminação, é a lama que passa em cima de casas, de caminhões, esgotos, postos de gasolina que foram destruídos”, alerta.

Laschefski diz que a criação do parque reduz custos para a Vale relacionados à remoção e destinação da lama e esconde o problema da contaminação por baixo das árvores replantadas, “assim como em Mariana. Depois do reflorestamento, o leigo não consegue enxergar, mas a lama está lá. O solo original não é aquele, a vegetação original não é aquela”, afirma.

O professor diz ainda que qualquer reflorestamento necessita primeiro da remoção da lama como forma de evitar a contaminação nas cadeias de alimentação e que as comunidades locais estão perdendo áreas onde plantavam e colhiam aquilo que consumiam. “Os povos indígenas atingidos naquela área, que passam fome agora, não veem serventia (no parque) porque a lama continua lá, continua contaminando a água e assim não conseguem reproduzir seus modos de vida”.

CNN

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