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Conseguirão os novos governadores e o presidente da República manter a tendência de queda dos homicídios?

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A redução das taxas de homicídios ocorrida no Brasil em 2018 joga para as autoridades de justiça e de segurança pública um desafio importante: manter a tendência de queda das mortes intencionais violentas em 2019 e nos próximos anos.

A tarefa ganha um peso político ainda maior porque neste ano se iniciaram os novos mandatos dos governadores e do presidente da República. Os questionamentos e a pressão são necessários. Afinal de contas, serão estas autoridades capazes de compreender o que funcionou nos estados que mais reduziram a violência? Terão conhecimento e condições para liderar a queda dos homicídios no Brasil?

Em 2018, a diminuição das taxas de homicídios ocorreu em 24 das 27 unidades da federação, alcançando estados de norte a sul do Brasil. As exceções foram Amapá (+9,7%), Tocantins (+43,7%) e Roraima (+54%).

Os bons resultados de 2018 não deixam de ser surpreendentes. No ano anterior, a situação brasileira havia alcançado um ponto crítico. Em 1º de janeiro de 2017, uma rebelião prisional em Manaus provocou a morte de 56 detentos. Nas semanas que se seguiram, novas revoltas de presos estouraram no Rio Grande do Norte e em Roraima, revelando uma forte tensão entre grupos criminosos rivais dentro e fora dos presídios.

O ano fechou com recorde histórico de homicídios. A alta foi puxada principalmente por estados onde a rivalidade entre gangues criminosas tinha ganhado as ruas, como Acre, Rio Grande do Norte, Ceará e Roraima. Das 27 unidades da federação brasileiras, 12 registraram crescimento de homicídios em 2017.

A capacidade de controlar os desdobramentos dos conflitos dos presídios e das ruas em 2018 merece reflexão. Estados como Rio Grande do Norte (-19%), Ceará (-12,4%) e Acre (-22,1%), que pareciam viver crises incontornáveis, mostraram capacidade de reverter parcialmente o quadro. A explosão de violência em 2017, de alguma forma, acabou forçando a aproximação de autoridades dos ministérios públicos locais, Justiça, polícia e sistema penitenciário para trocar informação, identificar os focos da crise e entender o que ocorria nesses lugares.

Nestas cenas criminais altamente lucrativas ligadas ao mercado de drogas, há ainda um elemento que favorece os bons resultados na redução das taxas de homicídios. Trata-se do interesse das próprias facções em reduzir os conflitos e mortes para diminuir as despesas e riscos de seus negócios.

Quando as autoridades de justiça e a segurança pública conseguem sinalizar institucionalmente que não se vai mais tolerar as matanças, os próprios empreendedores criminais aproveitam a possibilidade de trégua para diminuir os custos dos conflitos e, assim, aumentar seus lucros.

Afinal, quando matam, os assassinos também sabem que aumentam seus riscos de morrer nos ciclos intermináveis de vingança que se estabelecem nesses territórios conflagrados. As autoridades precisam saber usar estrategicamente essa condição em favor da redução dos homicídios, interrompendo a inércia dessa engrenagem de autodestruição.

Direcionar o esforço de investigação e de punição nos homicidas e nos tiranos armados que aterrorizam essas localidades é um primeiro passo. A consolidação política de um novo pacto, contudo, não ocorre do dia para a noite e vai se firmando ao longo dos anos – como aconteceu em São Paulo, onde os homicídios vêm caindo há praticamente 18 anos seguidos.

Em 2018, pelos dados do Monitor da Violência, seis estados deram passos importantes para o começo de um ciclo virtuoso de queda ao diminuir em mais de 20% as taxas de homicídios. São eles: Pernambuco (-23,2%), Alagoas (-22,5%), Santa Catarina (-22,1%), Minas Gerais (-21,8%), Espírito Santo (-21,2%), além do Acre, já citado acima. Em outros 11 unidades, a queda ficou acima de 10%.

A estabilidade fiscal e política das instituições será fundamental para manter a sustentabilidade da queda por período mais longo. Os riscos de retrocesso e do crescimento da violência são sempre grandes, como testemunharam Rio de Janeiro e Pernambuco, que voltaram a cenários críticos do passado por não conseguirem manter políticas bem-sucedidas de redução de assassinatos.

Em 2018, Pernambuco voltou a encontrar um caminho para a redução das mortes.

Redução sob risco

Nos meses que se seguem, o risco de ações populistas atrapalharem esse movimento de queda nacional é uma preocupação real. Duas medidas recentes são especialmente preocupantes. Uma delas veio com o decreto que facilitou a compra e a posse de armas, diminuindo o papel da Polícia Federal na fiscalização de seus compradores. A absoluta maioria das mortes violentas no Brasil é produzida por armas de fogo.

A segunda, que faz parte do pacote anticrime de Sérgio Moro e ainda não foi votada no Congresso, permite ao juiz inocentar um homicida que matou em legítima defesa alegando, por exemplo, forte emoção. A demanda da mudança na lei veio das corporações policiais, principalmente militares, que agem no patrulhamento ostensivo e se envolvem em situações de risco de morte.

Se a garantia à legítima defesa é um direito fundamental para o trabalho do policial, o problema principal da proposta foi a sinalização política dada a corporações que se caracterizam justamente pelo excesso de violência em seu trabalho cotidiano. Em 2017, mais de 5 mil pessoas foram mortas em decorrência de intervenções policiais no Brasil, o que coloca o país em primeiro lugar no ranking da violência policial.

Controlar esses excessos é fundamental para a redução dos homicídios. A tolerância aos assassinatos da polícia já contribuiu para o fortalecimento e para a expansão das milícias no Rio de Janeiro, grupo criminoso que, segundo o Ministério Público Estadual, domina atualmente o crime em cerca de 40% do território fluminense. A flexibilização do controle da violência policial, nesse sentido, aumenta os riscos da expansão desses grupos paramilitares pelo território nacional e ameaçam a persistência da queda de homicídios.

Caso as autoridades apostem no aplauso fácil de uma população amedrontada, sem observar as políticas bem-sucedidas e experimentadas no passado recente, a boa notícia da redução de 2018 pode ser apenas um dado isolado na série histórica nacional.

Bruno Paes Manso é jornalista e pesquisador do NEV-USP

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