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Gianecchini desabafa sobre limite da paquera e assédio: ‘Às vezes, é difícil entender que tem um não ali’

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Ator falou ainda sobre o julgamento por ser bonito, o medo de não corresponder e o gosto por best-sellers

 

 

Aos 51 anos, Reynaldo Gianecchini precisou esconder com tinta os cabelos grisalhos do Matias, da série Bom Dia, Verônica, para interpretar o Vicente do filme Uma Família Feliz, que estreou nos cinemas no início de abril.

Mas, na vida pessoal, ele prefere não maquiar a passagem do tempo. Após 24 anos de sua primeira novela, Laços de Família, o ator diz estar em um momento mais confortável: fala abertamente da sexualidade, do julgamento por ser bonito, do medo de não corresponder e até do gosto por Paulo Coelho.

E afirma lidar bem com o constante risco de cancelamento. “Dá preguiça essa época em que há tanta lacração. Mas a gente precisa falar, né?”

Mesmo assim, diz não poder “dar muita opinião” sobre a condenação do jogador Daniel Alves por estupro e a decisão da Justiça brasileira de fazer com que Robinho cumpra aqui no país a pena por um estupro coletivo cometido na Itália.

“Eu nem conheço a fundo a história deles, honestamente.”

Mas confessou que precisa aprender mais sobre o comportamento feminino. “Às vezes, a menina aceita a situação. Ela é a primeira a te provocar e querer ir. Só que depois ela desiste. Às vezes é difícil, no meio do ato, o homem entender que ela desistiu.”

Confira trechos do bate-papo com o autor, que ocorreu no lançamento do filme Uma Família Feliz, em São Paulo.

R7 Entrevista — Você fez dois personagens criados pelo escritor Raphael Montes na sequência: o vilão abusador Matias, da série Bom Dia, Verônica, e o machista passivo-agressivo Vicente, do filme Uma Família Feliz. Qual te desafiou mais?

Reynaldo Gianecchini — Fazer um personagem cheio de camadas, como são geralmente os do Rapha, é muito difícil, dá um medo de não dar conta. Tem que fazer escolhas e, ao mesmo tempo, me dá muito prazer. Não sei te dizer qual é o mais desafiador, porque eles estão em lugares diferentes. Mas têm, talvez, pontos em comuns. Os dois escondem coisas dentro de si.

No caso do Vicente, o [diretor José Eduardo]Belmonte, desde o começo, falou que é um filme de aparências, sobre o que é escondido. Ele falou assim: “Não venham muito preparados. Eu não vou pedir o óbvio para vocês”. Ele pedia a raiva escondida. Só que a gente colocava um pouquinho de raiva e ele falava: “Eu vi a raiva. Não quero ver. Porque isso vai causar o mistério que a gente precisa”. E é sobre isso o filme. É sobre o que você não mostra.

R7 — Tanto no Bom Dia, Verônica quanto em Uma Família Feliz, há o tema do abuso feminino e infantil. Qual é a importância do cinema e da TV para tratar de temas delicados para a sociedade?

Gianecchini — O trabalho do artista é refletir sobre os tempos, sobre os acontecimentos, sobre as coisas que precisam ser faladas. Nesses dois casos, eles pegam sempre pelo estômago. É um pouquinho difícil de digerir, é impactante. Mas é a melhor forma talvez de você trazer a discussão. É uma coisa que acontece muito no Brasil e que muitas vezes as pessoas não sabem nem que estão sendo abusadas. A gente precisa pegar realmente no lugar desconfortável das pessoas.

No caso de Uma Família Feliz, tem vários temas paralelos que são muito importantes. Nesse filme, a gente fala do cancelamento sumário, muito atual também, do puerpério, da dificuldade da mulher no pós-parto e do machismo desse meu personagem, que é um passivo-agressivo. Ele descredibiliza a mulher. A gente está falando muito mais abertamente sobre questões feministas.

R7 — Você citou cancelamento. Já chegou a ter medo de ser cancelado por alguma coisa que você fale?

Gianecchini — Eu sempre falo: “Ai, preciso parar de emitir opinião. Que preguiça”. Porque hoje em dia tem muita gente julgando e muita gente ignorante também, simplesmente querendo causar, espalhar inveja, raiva.

Não é que tenho medo, exatamente, mas tem hora em que tenho vontade de não ficar manifestando tanto as minhas opiniões. Dá preguiça, nessa época onde tem tanta lacração também em cima de mim, né?

Mas a gente precisa falar. Temos a internet que, de certa forma, para o bem e para o mal, está trazendo à tona todas as coisas de que a gente precisa falar. Então, está tudo certo.

R7 — Você acha que hoje em dia você tem mais liberdade para falar de alguns temas que antigamente você não tinha?

Gianecchini — Sim, com certeza.

R7 — Por exemplo?

Gianecchini — Ah, eu… Ah, eu, por exemplo, demorei muito tempo para falar um pouco mais da minha sexualidade, que foi sempre… Qual é a palavra? Duvidada? Não, mas… Sempre muito…

R7 — Questionada?

Gianecchini — Questionada e teve sempre muita curiosidade. Tinha uma parcela que ficava sempre duvidando disso, daquilo. Com o tempo, eu me senti maduro para falar, né? E, mesmo assim, tem gente que até hoje me critica. Porque, se você fala, te criticam. Se você não fala, é porque você é isso, está no armário. Mesmo eu tendo falado. Falei publicamente que eu pansexual [quem sente atração romântica ou sexual por qualidades e não pelo gênero da pessoa]. Mas estamos aí. Embora eu não goste de falar de detalhes da minha vida.

R7 — Eu queria que você falasse um pouco do silêncio masculino que a gente teve agora com a condenação do Daniel Alves e a prisão do Robinho.

Gianecchini — Não tem como a gente compactuar. A gente precisa pôr uma luz sobre tudo. Não pode mais acontecer. A gente vive num país onde esses abusos acontecem com uma frequência assustadora. Claro que a gente não pode passar pano. Mas, às vezes, sinto uma dificuldade de entender, como homem, o limite que a gente está ultrapassando, sabe? Não estou falando do caso desses dois que você falou. Eu nem conheço a fundo a história deles, honestamente. Eu não posso dar muita opinião.

O homem tem essa natureza de ser mais afoito e é difícil a gente, às vezes, entender que tem um “não” ali. A gente acha que tem um “sim”, às vezes. Isso acontece, causa uma confusão mesmo.

Às vezes, a menina aceita a situação. Ela é a primeira a te provocar e querer ir. Só que, depois, ela desiste. Às vezes é difícil, no meio do ato, o homem entender que ela desistiu. Então, eu estou querendo fazer uma certa defesa, porque eu já vi alguns casos assim e eu, como homem, sei que a gente tem esse instinto, que a gente vai, e a mulher talvez seja um pouco mais delicada.

Mas eu não estou justificando. É o contrário. O homem tem que perceber melhor. Quando está muito animado e cheio de tesão, é quase como se ele estivesse cego, né? Ele vai naquele instinto.

R7 — Você é um homem bonito, foi modelo. Como você lida com esse julgamento que te acompanhou a carreira inteira por causa da sua beleza?

Gianecchini — É muito inerente à profissão ter que matar um leão por dia. O jogo nunca está ganho. Quando vou para o set, eu sempre acho que todo mundo ainda está desconfiando de que eu não vou conseguir entregar nada. E aí, de certa forma, eu acho bom, porque me tira sempre da zona do conforto. Eu sou muito crítico comigo mesmo, quero sempre melhorar. Mas percebo que ainda tem, sim, um preconceito. Aqui no Brasil, principalmente, você não pode cantar, dançar, atuar. Eu finjo que não vejo, na verdade, porque o meu foco sempre é no trabalho. Fazer com amor. E eu vou sempre pensando em aprender. Eu fico buscando também quem não acredita em mim.

R7 — Você está fazendo bastante teatro [encenou Brilho Eterno e A Herança, entre 2022 e 2023]. Tem alguma peça que você leu e falou: “Nossa, essa eu queria encenar”?

Gianecchini — Eu gosto muito de coisa contemporânea. Tem os clássicos todos que eu olho e identifico o valor, né? E eu estudo sobre eles para saber como a gente chegou aqui. Mas eu gosto do aqui e agora. Das nossas realidades, das nossas discussões atuais. Não tem nem uma peça assim… Acho que as coisas, os textos vão chegando até você. E te escolhem também como intérprete. Talvez A Herança [em que contracenou com Bruno Fagundes]tenha sido a mais legal que li nos últimos tempos. Do [diretor e roteirista americano]Matthew Lopez.

R7 — Qual tipo de livro você gosta de ler?

Gianecchini — Comecei a me interessar muito pelo Raphael Montes depois de Bom Dia, Verônica. Li o Jantar Secreto, que me embrulhou o estômago. Achei genial também. Não vejo a hora de isso virar um filme. Como leitor, sempre li muito e sou muito curioso. Todos os gêneros. Eu não tenho preconceito com nada. Tem gente que fala: “Ai, é best-seller”, que fala que Paulo Coelho não é uma boa literatura. Eu sempre adorei os livros do Paulo Coelho, porque me tocavam em um lugar até difícil de dizer. Eu leio muito menos hoje do que eu gostaria. Por falta de tempo. Isso me dá uma certa aflição. Eu queria ler mais. Como li antigamente.

R7

 

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